sexta-feira, 16 de maio de 2008
Metade - Oswaldo Montenegro
Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca;
porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza;
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante;
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor;
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui;
a outra metade não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer;
porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor;
e a outra metade também.
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