segunda-feira, 19 de maio de 2008

Grito de Revolta - Policarpo Nóbrega


Mas também passo
Pelas ruas
E vejo gente
Gente
Que apesar de gente
Não é tratada
Como gente

Vivendo como os cães
Como os cães não
Como alguns cães
Abandonados
E escorraçados
Por toda a gente

Como náufragos
De um deserto gelatinoso
Que lhes tolhe
Os movimentos
E atolados na miséria
Comendo as réstias
Dos sujos e conspurcados
Caixotes de lixo
Pedindo e roubando
Dormindo na rua
Ao frio
À chuva e ao vento
Caminham sem destino
Até que a morte os leve

E vejo os drogados
Bêbados e prostitutas
E a porta de acesso
A todas estas desgraças
A porta dos moribundos
Dos desempregados
Das crianças desamparadas
Dos jovens incompreendidos
Das mulheres violentadas
Dos homens
Em guerras envolvidos
Dos velhos abandonados

Podes odiar essa porta
Podes ignorar essa porta
Podes virar-lhe as costas
Mas livre dela
Não estás com certeza
Pois só há uma forma
De por ela
Não seres engolido

É enfrentando-a
Tomando-a
Como realidade
E dedicando
Algum tempo
Para que um dia
Essa porta
Não tenha
Mais razão de existir

Daí este grito
Que é um grito de revolta
Um grito de desespero
Que espero
Não caia no vácuo
E que se transforme
Num grito de alerta
E num contributo
Para que se acabe

Com a exclusão social
Com os guetos
A miséria
E a fome no mundo

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